Embalagens de vidro são recicláveis?
Segundo a associação que reúne os fabricantes de embalagens de vidro (Abividro), a “reciclagem sempre teve grande destaque na indústria vidreira, e ganhou força nos últimos anos com os grandes investimentos feitos para promover e estimular o retorno da embalagem de vidro descartável como matéria-prima”.
De fato, com um quilo de cacos de vidro se faz outro quilo de vidro, mas é preciso que o vidro, transformado em cacos pra diminuir o custo de transporte, selecionados segundo a cor e livre de impurezas, chegue até uma fábrica. Ainda segundo o site da Abividro, fábricas de garrafas de vidro no Brasil estão localizadas apenas nos seguintes estados: RS, SP, RJ, MG (Uberlândia), PE e SE.
A distância de transporte à fábrica mais próxima de uma determinada cidade é que determina a viabilidade da reciclagem do chamado “vidro oco” descartado naquela cidade. É por isso que no Distrito Federal a reciclagem de embalagens de vidro praticamente não tem viabilidade. O custo do transporte torna não competitivo o caco de vidro proveniente das embalagens descartadas em Brasília. Portanto, no DF embalagem de vidro não pode ser tratada como reciclável.
O fato é que, aqui no DF, praticamente todas as embalagens de vidro descartadas nos domicílios, hotéis, bares, restaurantes e similares estão sendo aterradas após o consumo da bebida ou de outro produto. Quem paga pelo custo de coletar e aterrar este resíduo? Atualmente, nós todos moradores, como cidadãos pagando a TLP. Isso significa que mesmo os que não consomem bebida em garrafas não retornáveis pagam a conta.
Mas, há alternativa. Aproximadamente metade dos recipientes de vidro fabricados no Brasil é retornável, a exemplo de algumas das garrafas de cerveja e refrigerantes. Essas embalagens são reutilizadas para a mesma finalidade por mais de 30 vezes, sendo lavadas em altas temperaturas e com detergentes antes de cada nova utilização. Esta possibilidade é uma das características positivas das embalagens de vidro.
Por outro lado, os próprios fabricantes de bebida afirmam que a embalagem de vidro retornável possibilita vendê-las mais barato para o consumidor final. Mas hoje, a decisão de embalar uma bebida em uma determinada embalagem é uma decisão apenas de marketing, que visa naturalmente maximizar o lucro do fabricante.
Tem que ser assim? Os ônus ambientais não devem ser levados em conta? Pergunto por que então não privilegiamos, aqui no DF, a embalagem retornável quando consumimos bebidas como os refrigerantes, a água mineral e as cervejas de embalagens de vidro?
Recapitulando: no DF, as embalagens de vidro não podem ser consideradas recicláveis. Isso porque o custo de transporte dos cacos de vidro para as fábricas de vidro mais próximas daqui inviabiliza seu aproveitamento. Assim, as embalagens de vidro que descartadas aqui são tratadas como rejeito e encaminhadas para aterramento. Por outro lado, é viável a reciclagem tanto das garrafas de plástico quanto das embalagens de alumínio descartadas no DF.
Instalar uma fábrica de vidro mais perto de Brasília é uma decisão de natureza privada própria da indústria de artefatos de vidro. É claro que incentivos fiscais disponibilizados pelo Governo do DF poderiam aumentar a atratividade da região para receber tal indústria. Caberia, como em qualquer caso, cuidar para que tais incentivos não sejam regressivos, e venham a prejudicar aqueles que necessitam da proteção de políticas públicas financiadas por tributos.
Outra alternativa pode ser proibir no DF a comercialização de bebidas como cervejas, refrigerantes, águas minerais e adicionadas de sais em embalagens de vidro descartáveis, ou seja, em embalagens não retornáveis. Eventualmente, podem ficar de fora desta restrição as bebidas importantes. Seria essa uma intervenção descabida na liberdade de produzir e comerciar? Acho que não. Mesmo com esta vedação, a indústria de bebidas continuaria a dispor da lata, da garrafa de plástico ou da garrafa de vidro retornável como opções de embalagens.
Em muitos países, em especial na União Europeia, esta discussão não se coloca. Lá as embalagens são de responsabilidade das empresas também na fase pós-consumo. Ou seja, o agente econômico que coloca um produto embalado no mercado é responsável pela gestão da embalagem descartada (em última instância, pelos custos desta gestão) e deve garantir sua reciclagem. Nestas condições, diferentemente daqui, a decisão sobre que embalagem utilizar envolve também estes custos.
Digo diferentemente daqui porque, apesar de a Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), prever a lógica reversa para embalagens, nada foi implementado até agora pelo Governo Federal no que diz respeito a embalagens de vidro. Assim, os engarrafadores de bebidas não assumem nenhuma responsabilidade se o nosso aterro sanitário tem sua vida útil diminuída pela incrível quantidade de garrafas de vidro descartadas que são simplesmente aterradas.
Observo, por último, que os restaurantes, cafés, hotéis que se caracterizam como grandes geradores, que arcam com os custos da coleta, transporte e destinação dos seus resíduos sólidos não recicláveis, poderiam pagar menos por esses serviços se nesses resíduos não estivessem incluídas as garrafas de vidro descartáveis.
Concluo, sugerindo ampliar o debate sobre a conveniência de vedar a comercialização no DF, em embalagens de vidro não retornáveis, de bebidas como cervejas, refrigerantes, águas minerais e adicionadas de sais.
Enquanto isso, não consumir refrigerante, água mineral e cerveja em embalagens de vidro não retornáveis onde não há viabilidade de reciclá-las é uma boa ideia. E melhor ainda: não vender nesses locais refrigerante, água mineral e cerveja em embalagens de vidro não retornáveis.
Fonte: Revista BIO ISSN 0103-5134. ANO XXIV No 82 trimestre JAN – MAR 2017.