Tratamento de efluentes da indústria de embalagens com processo oxidativo avançado
Os despejos industriais, em sua maioria, são fontes poluidoras em grau elevado e devem, portanto, ter um tratamento prévio antes de serem lançados em algum corpo receptor.
A manufatura nas indústrias de embalagens em geral não gera muita poluição. Entretanto, muitas possuem alguma etapa de impressão, principal fonte poluidora em razão das diversas tintas utilizadas. O impacto gerado é causado pela coloração intensa do efluente que, além de ocasionar a alteração de cor do corpo receptor, impede a penetração da luz no meio aquático, prejudicando os processos de fotossíntese. Além disso, substâncias presentes podem ser recalcitrantes e potencialmente cancerígenas [1].
Os tratamentos convencionais muitas vezes não conseguem remover os poluentes de forma a atingir os padrões de lançamento, principalmente quando se tem um material recalcitrante e com forte coloração. Portanto, são necessárias novas tecnologias, como processos oxidativos avançados (POAs), capazes de gerar radicais hidroxil (OH), espécies altamente oxidantes que, quando em quantidade suficiente, provocam a mineralização da matéria orgânica a dióxido de carbono, água e íons inorgânicos. Esses radicais podem ser formados por vários processos, como a fotólise, peroxidação assistida por luz ultravioleta, ozonização, fenton, foto-fenton, etc. [2]. O método mais utilizado para gerar esses radicais é a radiação com luz UV aliada ao uso de peróxido de hidrogênio (H2O2) [3].
O presente trabalho teve como objetivo avaliar a remoção de cor e DQO de efluente industrial de uma fábrica de embalagens, utilizando POA (H2O2/UV) como pós-tratamento de processo físico-químico. Por fim, foi realizada uma análise de custo.
MATERIAIS E MÉTODOS
O efluente foi proveniente da lavagem das máquinas flexográficas de uma indústria de embalagens situada no interior do Estado do Ceará. Primeiramente, o resíduo passou por um tratamento físico-químico com adição de agente coagulante à base de policloreto de alumínio, seguido da adição de cal e polieletrólito aniônico, tudo sob agitação por ar comprimido insuflado dentro dos reservatórios (nessa fase também foi adicionado carvão ativado em pó).
Neste trabalho, esse item foi removido da etapa de tratamento físico-químico. Após a decantação, o efluente clarificado passa por um filtro de areia e correção de pH, se necessário. O resultante desse processo, de cor rósea, foi usado na etapa de tratamento no sistema H2O2/UV. A figura 1 mostra uma fluxograma com as etapas de tratamento descritas.
REATOR UTILIZADO NO PÓS-TRATAMENTO DO EFLUENTE
O equipamento utilizado para os testes experimentais foi instalado no laboratório de saneamento (LABOSAN) no Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC – Universidade Federal do Ceará.
A figura 2 representa o sistema de tratamento e um esquema da seção transversal do fotoreator.
ANÁLISES
Todas as análises foram realizadas pelo laboratório da Tecnoplus Especialidades Químicas e Meio Ambiente, de acordo com as recomendações do Standard Methods for Examination of Water and Wastewater, 21ª Edição. A análise de residual de peróxido foi realizada no labosan logo após a coleta da amostra. Os parâmetros analisados foram pH (potenciométrico), cor real e aparente (espectrofotométrico), DQO (espectrofotométrico), turbidez (turbidimétrico), amônia (nessler) e peróxido residual (permanganimetria).
PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL
Foram realizados testes com vazões de 1,0 e 4,0 L/min sob recirculação e o percentual (v/v) do reagente aplicado (H2O2) – 1,0%, 05% e 0,25% sobre o volume total (10 L). As amostras foram coletadas nos intervalos de tempo de 1,2,3,4 e 8 horas.
Após otimização da vazão e da dosagem de H2O, foi realizado estudo com sistema combinado POA/adsorção. Três horas depois do tratamento, o efluente passou por uma coluna de carvão ativado granular e foi coletada uma amostra depois de 1 hora de recirculação.
Após as etapas experimentais, os custos do tratamento atual da fábrica e de implantação do sistema POA (H2O2/UV)em escala real foram analisados.
RESULTADOS
Variação do pH
Houve redução do pH ao longo do tratamento, em geral de 10 para 6 (figura 3). Essa redução pode estar associada à formação de ácidos orgânicos dentre os subprodutos de degradação. É possível perceber também que a redução de PH foi semelhante para quase todos os ensaios, mostrando pouca influência da vazão e da dosagem de peróxido para o parâmetro pH.
Remoção de DQO
Na figura 4 encontram-se os resultados de DQO referentes aos ensaios de 1 a 6. Logo após a adição de peróxido, há aumento no valor da DQO em razão de sua interferência na análise. Entretanto, esse aumento não é proporcional à dosagem do peróxido. Essa inconsistência pode ser atribuída à diferença na homogeneização da amostra no tanque de armazenamento, visto que a agitação era feita de forma manual. Analisando os valores de DQO dos ensaios 1 e 4 após 8 horas, foi possível notar que o valor final é o mesmo para ambos. Remoções de DQO de 99,4% e 97,2% respectivamente, foram alcançadas para os dois ensaios. O valor de DQO alcançado permite o lançamento do efluente em corpo receptor, atendendo ao artigo 4º da Portaria 154/02 da Semace, órgão ambiental estadual.
AVALIAÇÃO DA AMÔNIA
O estudo da amônia é de grande relevância, tendo em vista que as fontes de nitrogênio (nutrientes) na água são responsáveis pelo crescimento excessivo de algas e plantas aquáticas, além da toxicidade, principalmente para os peixes. De forma geral, houve um aumento no valor da concentração da amônia, possivelmente, devido à oxidação de algum composto orgânico nitrogenado existente no efluente bruto podendo resultar na formação de amônia, que posteriormente poderá se oxidar a nitrito e nitrato. Após 8 horas de tratamento, a concentração mínima de amônia encontrada foi de 10,5 mg/L no ensaio 4 e a máxima de 157,5 mg/L no ensaio 6. Os demais ensaios encontram-se na faiza de 71 a 96 mg/L de amônia após 8 horas.
AVALIAÇÃO DA TURBIDEZ
Os ensaios 1 e 2 indicam elevada turbidez enquanto nos demais nota-se redução desse parâmetro. Esse fenômeno pode ser atribuído ao aumento da vazão (4,0 L/min), propiciando maior turbulência no reservatório de armazenagem/recirculação e revolva de mais material. Tal efeito combinado com dosagens mais elevadas de peróxido de hidrogênio (1,0% e 0,5%) pode ter contribuído para aumento na turbidez nos ensaios 1 e 2.
REMOÇÃO DE COR E VARIAÇÃO DO PERÓXIDO RESIDUAL
A análise gráfica da cor (figura 5) mostra tendência na redução dos valores nas primeiras 4 horas de teste, havendo aumento desse valor após 8 horas. Após esse período de tratamento, todas as amostras se apresentaram visualmente incolores.
Observando a figura 6, é possível perceber que o peróxido se decompõe ao longo do tempo, reduzindo sua concentração no meio. Porém, após oito horas de teste ainda foi encontrado um residual de peróxido. A dificuldade em decompô-lo por completo pode ser atribuída ao foto de o peróxido de hidrogênio comercial possuir em sua formulação agentes estabilizadores, os quais dificultam sua decomposição.
TRATAMENTO POA – Adsorção
Após a verificação dos resultados de otimização de vazão e concentração de peróxido as condições do ensaio 4 foram escolhidas para realizar o teste combinado POA-adsorção. Nessa etapa, a recirculação foi mantida por três horas no sistema UV/H2O2. Após esse período, o efluente foi recirculado pela coluna de carvão ativado durante uma hora.
Na tabela I podem ser verificados os resultados do tratamento POA-adsorção para os parâmetros estudados, onde observa-se que o pH decresceu ao longo do tempo, como notado anteriormente nos demais ensaios.
Avaliando o parâmetro cor, foi observada redução em aproximadamente 70% para amostra bruta sem peróxido e de 77% para efluente bruto adicionado de peroxido, O peróxido apresentou um residual zero após passar pela coluna de carvão no sistema POA-adsorção. A turbidez apresentou remoção de cerca de 70% após duas horas de recirculação, chegando a um máximo de 92% de remoção no sistema POA-adsorção.
Houve aumento da DQO após a adição do peróxido, em todos os ensaios, seguido de sua redução com o tempo de tratamento. Após o efluente passar pela coluna de carvão houve redução significativa da DQO de aproximadamente 95% e 99% para o efluente bruto sem adição e com adição do peróxido, respectivamente (figura 7). O valor final da DQO atendeu às exigências de lançamento de efluentes segundo o artigo 4º da Portaria 154/02 da Semace. Esse resultado representa ganho de 4 horas no tempo de tratamento em relação aos demais ensaios, fato relevante quando se considera sua aplicação em escala real.
AVALIAÇÃO DOS CUSTOS
A ETE da empresa que forneceu o efluente recebe em torno de 4000 L/dia a serem tratados em batelada. Grande quantidade de carvão ativo e pó (CAP) é utilizado no efluente real nessa etapa. Assim, para este estudo o CAP foi removido da etapa de tratamento físico-químico. Fez-se uma estimativa de cálculo comparativo entre as duas metodologias: apenas tratamento físico-químico com CAP e tratamento físico-químico sem CAP seguido de POA-adsorção.
Para calcular o custo de implantação e insumos, foram considerados os parâmetros:
- Volume do fotoreator;
- Potência;
- Número de lâmpadas;
- Volume de peróxido;
- Consumo de energia; e
- Volume de carvão ativado granulado.
Como os demais produtos químicos continuaram a ser utilizados na alternativa com POA, o cálculo dos custos atuais foram baseados somente no item a ser substituído, que foi o carvão ativado em pó utilizado na fase do tratamento físico-químico.
Segundo a empresa geradora de efluente, o consumo mensal de carvão é de 3000 kg/mês, com custo mensal de R$ 6,95 mil (valor do frete já incluso), pois o material vem de São Paulo. Estimando um volume total de efluente mensal em torno de 120 m³, considerando apenas o CAP, é possível obter custo de R$ 57,92/m³.
Já os custos mensais utilizando o sistema POA-adsorção chegam a R$ 5382,46 por mês, resultando em R$ 44,94/m³, ou seja, uma redução de 22% nos custos mensais. Assim, após implantado, o sistema POA-adsorção apresenta vantagens em relação ao uso do CAP em termos de custo, levando em consideração apenas os insumos. Contudo, os custos de implantação dessa tecnologia constituem um fator limitante em sua aplicação, chegando a R$ 103.200,00 para o caso estudado. Ou seja, o retorno do investimento se daria em cinco anos e meio.
É viável a utilização do sistema POA para remoção de cor no efluente estudado. A adição de uma coluna de carvão ativado granulado no processo propiciou a redução do tempo de operação, visto que foram necessárias apenas 4 horas de tratamento para remoção de cor e redução de DQO superior a 95%.
A oxidação da amônia precisa ser estudada para que sejam alcançados os limites de lançamento exigido pelo Semace. Notou-se também que, apesar de o custo do efluente tratado ser menor com o POA do que utilizando o CAP, o custo de implantação do primeiro é muito elevado, em especial devido ao custo das lâmpadas, o que parece ser o ponto de amor dificuldade para a disseminação dessa tecnologia.
REFERÊNCIAS
[1] Petemel, l; Koprivanac, N; Kusic, H.: UV-based processes for reactive azo dye mineralization. Water research, v. 40, n.3, pp.525-532, 2006.
[2] Teixeira, C. P.A.B.; Jardim, W.F.: Porcessos oxidativos avançados: conceitos teóricos. Caderno Temático, Campinas, v.3, 2004.
[3] Hinterholz, C. L.; Fornari, A.C.; Da Rosa, M. F.: Avalição da aplicabilidade dos processos oxidativos avançados no tratamento do herbicida basagran. Anais do I ENDICT – Encontro de Divulgação Científica e Tecnológica, Paraná, RS, Brasil, 2009.
Trabalho apresentado no XXXIII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental, realizado em Salvador, BA.
Fonte: Revista Hydro